terça-feira, 11 de março de 2008

Clown













Luís Otávio Burnier

O clown é a poesia em ação.Henry Miller

Segundo Roberto Ruiz, a palavra clown vem de clod, que se liga, etimologicamente, ao termo inglês "camponês" e ao seu meio rústico, a terra (1). Por outro lado, palhaço vem do italiano paglia (palha), material usado no revestimento de colchões, porque a primitiva roupa desse cômico era feita do mesmo pano dos colchões: um tecido grosso e listrado, e afofada nas partes mais salientes do corpo, fazendo de quem a vestia um verdadeiro "colchão" ambulante, protegendo-o das constantes quedas (2).
Na verdade palhaço e clown são termos distintos para se designar a mesma coisa. Existem, sim, diferenças quanto às linhas de trabalho. Como, por exemplo, os palhaços (ou clowns) americanos, que dão mais valor à gag, ao número, à idéia; para eles, o que o clown vai fazer tem um maior peso.
Por outro lado, existem aqueles que se preocupam principalmente com o como o palhaço vai realizar seu número, não importando tanto o que ele vai fazer; assim, são mais valorizadas a lógica individual do clown e sua personalidade; esse modo de trabalhar é uma tendência a um trabalho mais pessoal. Podemos dizer que os clowns europeus seguem mais essa linha. Também existem as diferenças que aparecem em decorrência do tipo de espaço em que o palhaço trabalha: o circo, o teatro, a rua, o cinema, etc.
O clown ou palhaço tem suas raízes na baixa comédia grega e romana, com seus tipos característicos, e nas apresentações da commedia dell'arte (3). Nas festividades religiosas e nas apresentações populares da Antigüidade, havia uma alternância entre o solene e o grotesco. Esse é um fato comum a povos distintos: dos gregos até os aborígines da Nova Guiné, passando pelos europeus da Idade Média ou pelos lamaístas do Tibete.
Esta combinação do cômico e do trágico acentua a percepção de emoções contrapostas e é muito peculiar ao clown. Para Shklovski (4), o clown faz tudo seriamente. Ele é a encarnação do trágico na vida cotidiana; é o homem assumindo sua humanidade e sua fraqueza e, por isso, tornando-se cômico.





"Os palhaços sempre foram parte integrante do circo. Num espetáculo de perícia física, que produz na assistência uma reação mental - deslumbramento, espanto, admiração e apreensão - é preciso haver um complemento: um conceito mental que produza no público uma reação física, ou seja, o riso" (5). O clown espanta o medo, esta é a sua função.
Existem dois tipos clássicos de clowns: o branco e o augusto. O clown branco é a encarnação do patrão, o intelectual, a pessoa cerebral. Tradicionalmente, tem rosto branco, vestimenta de lantejoulas (herdada do Arlequim da commedia dell'arte), chapéu cônico e está sempre pronto a ludibriar seu parceiro em cena. Mais modernamente, ele se apresenta de smoking e gravatinha borboleta e é chamado de cabaretier. No Brasil, é conhecido por escada.
O augusto (no Brasil, tony ou tony-excêntrico é o bobo, o eterno perdedor, o ingênuo de boa-fé, o emocional. Ele está sempre sujeito ao domínio do branco, mas, geralmente, supera-o, fazendo triunfar a pureza sobre a malícia, o bem sobre o mal. Adoum afirma que a relação desses dois tipos de clowns acaba representando cabalmente a sociedade e o sistema, e isso provoca a identificação do público com o menos favorecido, o augusto.

Os tipos cômicos: elementos de uma generalogia
Os tipos característicos da baixa comédia grega e romana; os bufões e bobos da Idade Méida; os personagens fixos da commedia dell'arte italiana; o palhaço circense e o clown possuem uma mesma essência: colocar em exposição a estupidez do ser humano, relativizando normas e verdades sociais.
Segundo Bakhtin, a cultura cômica popular da Idade Média, principalmente a cultura carnavalesca, possuía uma grande diversidade: festas públicas carnavalescas; ritos e cultos cômicos especiais; os bufões e tolos; gigantes, anões e monstros; palhaços de diversos estilos; a literatura paródica etc. (6) O riso carnavalesco abalava as estruturas do regime feudal, abolia as relações hierárquicas, igualava pessoas que provinham de condições sociais distintas. Era contrário a toda perpetuação, a toda idéia de acabamento e perfeição, mostrando a relatividade das verdades e autoridades no poder. Todos são passíveis de riso e ninguém é excluído dele; era a percepção do aspecto jocoso e relativo do mundo.
Os bufões e bobos, por exemplo, assistiam sempre às funções cerimoniais sérias, parodiando seus atos, construindo ao lado do mundo oficial uma vida paralela. Esses personagens cômicos da cultura popular medieval eram os veículos permanentes e consagrados do princípio carnavalesco na vida cotidiana. Os bufões e bobos não eram atores que desempenhavam seu papel no palco; ao contrário, continuavam sendo bufões e bobos em todas as circunstâncias da vida. Encarnavam uma forma especial de vida, simultaneamente real e irreal, fronteiriça entre a arte e a vida.
Nos séculos XV e XVI, surgiu a chamada commedia dell'arte, ou comédia de máscaras. Esta típica forma de teatro do Renascimento italiano teve, conforme Gassner, uma dupla origem na arte da mímica que, brotando dos farsistas populares do período romano, evoluiu até os atores-jograis ambulantes da Idade Média e das comédias formais de Plauto e Terêncio. (7)
A commedia dell'arte era baseada num roteiro (canovaccio), que servia como suporte para que os atores improvisassem. Esse roteiro não era um texto estruturado: indicava apenas as entradas e saídas dos atores, os monólogos, os diálogos, episódios burlescos, os cantos e danças. Personagens fixos e situações codificadas facilitavam o jogo espontâneo da improvisação (8)
Esse teatro teve uma grande aceitação na época, pois era do universo cotidiano do público que os atores tiravam a base para sua representação. Fazia descrições vivas de tipos característicos e costumes contemporâneos, envoltas em tramas de intriga amorosa. Os velhos eram satirizados como tolos, e intermináveis variações eram indroduzidas no tema da traição e do marido traído.
Os personagens eram fixos e possuíam máscaras próprias, cujas linhas revelavam o caráter pessoal de cada um. Os principais eram: Pantalone, o velho, rico e tolo mercador de Veneza; Dottore, personificação do pedantismo dos intelectuais da época; Capitão Mata-Mouros, soldado fanfarrão e covarde, metido a valente; Arlecchino, servo esfomeado e atrapalhado; Brighella, servo astuto e briguento; Pulcinella, ora servo, ora patrão, de índole cruel e violenta; Os Enamorados, jovens apaixonados e sensíveis. Embora mascarados e tipificados, eram fortemente individualizados quanto à fala e dialeto. Geralmente, os intérpretes assumiam um papel por toda a vida. (9)
Na commedia dell'arte apareceram, de certa forma, resquícios da dupla de cômicos, os zanni, servos da commedia dell'arte, cuja relação se aperfeiçoará nos clowns. A eles cabia a tarefa de provocar o maior número de cenas cômicas, por suas atitudes ambíguas e suas trapalhadas e trejeitos. Existiam dois tipos distintos de zanni: o primeiro fazia o público rir por sua astúcia, inteligência e engenhosidade. De respostas espirituosas, era arguto o suficiente para fazer intrigas, blefar e enganar os patrões. Já o segundo tipo de criado era insensato, confuso e tolo. Na prática, porém, havia uma certa "contaminação" de um pelo outro. O primeiro zanni é mais conhecido como Brighella, e o segundo como Arlecchino.
Pelas características acima descritas, não é difícil relacionar a dupla de zanni à dupla de clowns, o branco e o augusto.
A essência do circo acompanha desde muito o cotidiano do homem. Segundo Ruiz, pesquisadores afirmam que no ano de 70 a.C., em Pompéia, já existia um enorme anfiteatro destinado a exibições de habilidades que posteriormente seriam caracterizadas como circenses. Por outro lado, na China, já por volta de 200 a.C. as artes acrobáticas se encontravam em desenvolvimento. Números até hoje tradicionais, como o equilíbrio sobre corda bamba, magia, engolir espadas e fogo, já eram conhecidos e praticados, naquela época, pelos chineses. (10)
O circo tal como existe em nossa concepção nasceu há pouco tempo. A criação do circo moderno se deu em 1768, por Philip Astley, em Londres. Astley, um ex-sargento auxiliar de cavalaria, hábil treinador de cavalos, foi o primeiro a descobrir que, se galopasse em círculos, de pé sobre o dorso nu do cavalo, teria o equilíbrio facilitado pela força centrífuga. Estava inventado, então, o picadeiro. Durante 150 anos, os cavalos dominaram os espetáculos circenses, mas pouco a pouco outros artistas se incorporaram à trupe. (11)
Já na época de Philip Astley, exímios cavaleiros realizavam o célebre número do "recruta da cavalaria", em que simulavam camponeses simplórios e astutos que, com suas extravagâncias, divertiam as platéias. Naquela época também surgiu na Inglaterra a dupla branco-augusto: no trabalho de dois grandes cavaleiros do século XVIII (Saunders e Fortinelli), que exploravam os números de "grotesco a cavalo". (12)
É interessante notar que existe maior riqueza na comicidade quando os dois tipos atuam em dupla, pois um serve de contraponto ao outro. Eles são encontrados tanto nos espetáculos circenses da Inglaterra como nos dois zanni da commedia dell'arte.
O clown também desempenha função semelhante à dos bufões e bobos medievais, quando brinca com as instituições e valores oficiais. Ele, pelos nomes que ostenta, pelas roupas que veste, pela maquiagem (deformação do rosto), pelos gestos, falas e traços que o caracterizam, sugere a falta de compromisso com qualquer estilo de vida, ideal ou institucional. É um ser ingênuo e ridículo; entretanto, seu descomprometimento e aparente ingenuidade lhe dão o poder de zombar de tudo e de todos impunemente. O princípio desmistificador do riso, presente na cultura popular medieval renascentista, apareceu no cômico circense, fundamentado, basicamente, na figura do palhaço.
Em suas andanças através do tempo, o clown ocupou diversos espaços: a rua, a praça, a feira, o picadeiro, o palco. Com o advento do cinema, no início do século XX, ele encontrou um novo lugar para continuar revelando à humanidade seu lado ridículo e patético.
O primeiro clown do cinema foi o francês Gabrielle Leuvielle, que tem por pseudônimo Max Linder. Ele dirigia e atuava em seus filmes. Exatamente como os clowns, Max Linder utilizava tudo o que sabia fazer (dançar, saltar, montar a cavalo, etc.). Sua motivação era o desejo de fazer um número circense, exemplo que será seguido por todos os seus sucessores até Jerry Lewis. Os argumentos que tinha por tema eram sempre, como nas entradas de clowns, extremamente simples. Eram as sucessões de gags que mantinham o interesse; o roteiro não passava de um pretexto para a criação de situações cômicas, assim como na commedia dell'arte. Max Linder buscou sua inspiração no teatro de vaudeville (teatro cômico musical, apresentado em bares e cabarés). E, sobretudo, no circo. (13)
Os clowns do cinema retomaram diversas gags já usadas anteriormente por outros colegas de cinema ou por clonws de circo. Chaplin, em Em busca do ouro, na "dança dos pequenos pães" se inspirou nos fantoches de barracas de feiras. "Nada mais natural, pois este costume vem justamente do circo, onde, ao redor das mesmas receitas, brilham os cozinheiros de diferentes gostos". (14)
Com freqüência, os cômicos do cinema transportavam diretamente para seu veículo um trabalho própriol do circo. Todos esses cômicos se formaram nas escolas do circo e do music-hall. Cada um deles era acrobata, dançarino, malabarista, cuspidor de fogo, mímico. E é bastante normal que eles retenham de suas origens tudo o que pode enriquecer esta nova arte: o cinema.
Como nos clowns do circo europeu, eles criaram para o cinema tipos originais e únicos - diferentemente do comediante, que deve poder encarnar personagens os mais diversos. Carlitos é o clown de Chaplin, pessoal e único, não importando se desempenha o papel de O grande ditador, do vagabundo de O garoto ou do operário em Tempos modernos.
Do ponto de vista da técnica do clown utilizada, alguns desses tipos do cinema chegaram a um grande nível de requinte. Dentre eles, destacaria Charles Chaplin, a dupla Hardy e Laurel (o Gordo e o Magro), Buster Keaton, Harold Lloyd, Jacques Tati, Jerry Lewis, Mazzaropi, Oscarito, Grande Otelo e outros.
O clown é a exposição do ridículo e das fraquezas de cada um. Logo, ele é um tipo pessoal e único. Uma pessoa pode ter tendências para o clown branco ou o clown augusto, dependendo de sua personalidade. O clown não representa, ele é - o que faz lembrar os bobos e os bufões da Idade Média. Não se trata de um personagem, ou seja, uma entidade externa a nós, mas da ampliação e dilatação dos aspectos ingênuos, puros e humanos (como nos clods), portanto "estúpidos", de nosso próprio ser. François Fratellini, membro de tradicional família de clowns europeus, dizia: "No teatro os comediantes fazem de conta. Nós, os clowns, fazemos as coisas de verdade." (15)
O trabalho de criação de um clown é extremamente doloroso, pois confronta o artista consigo mesmo, colocando à mostra os recantos escondidos de sua pessoa; vem daí seu caráter profundamente humano.


segunda-feira, 10 de março de 2008

Contando histórias

Literatura oral é a antiga arte de exprimir eventos reais ou fictícios em palavras, imagens e sons. Histórias têm sido compartilhadas em todas as culturas e localidades como um meio de entretenimento, educação, preservação da cultura e para incutir conhecimento e valores morais. A literatura oral é freqüentemente considerada como sendo um aspecto crucial da humanidade. Os seres humanos têm uma habilidade natural para usar comunicação verbal para ensinar, explicar e entreter, o que explica o porquê da literatura oral ser tão preponderante na vida cotidiana. A literatura oral tradicional difere da literatura oral multimídia no sentido de que ela é experimentada e se forma dentro da mente da audiência. Por exemplo, um dragão descrito será diferente para cada ouvinte, enquanto uma representação visual será mais específica. Dado que a literatura oral tradicional depende da experiência pessoal e da imaginação do recipiente, ela tende a ter um impacto mais forte.

Tradições orais
Pessoas em todos os tempos e lugares têm contado histórias. Na tradição oral, a narrativa inclui o narrador e a audiência. O narrador cria a experiência, enquanto a audiência depreende a mensagem e cria imagens mentais pessoais a partir das palavras ouvidas e dos gestos vistos. Nesta experiência, a audiência se torna co-criadora da arte. Narradores por vezes dialogam com a audiência, ajustando suas palavras em resposta aos ouvintes e ao momento.
A literatura oral é uma forma de arte improvisacional por vezes comparada à música. Geralmente, um narrador não memoriza um conjunto de textos, mas aprende uma seqüência de incidentes "roteirizáveis" que formam um arco narrativo satisfatório (uma trama) com um início, meio e fim distintos. O narrador visualiza os personagens e cenários e então improvisa o fraseado. Por conseguinte, nunca duas narrativas de uma mesma história oral serão exactamente iguais.
Um pesquisador de Harvard, Albert Bates Lord, comparou transcrições de campo de narrativas orais de bardos da Iugoslávia colectados por Milman Parry nos anos 1930 e os textos de épicos tais como A Odisséia e Beowulf. Lord descobriu que uma parte surpreendentemente grande das histórias consistia de textos improvisados durante o processo narrativo. As palavras aparentemente provinham de um "depósito mental" de frases e artifícios narrativos acumulados por toda uma vida.
Lord identificou dois tipos de "vocabulário" narrativo. Ao primeiro denominou fórmulas: "os dedos rosados da aurora", "o mar sombrio", certos conjuntos frasais, já haviam sido identificados em Homero e outros épicos orais. Mas ninguém antes de Lord percebera quão comuns estas fórmulas eram. Ele descobriu através de muitas histórias tradicionais, que cerca de 90% de um épico oral é montado com linhas repetidas literalmente ou com substituições de palavras na base de uma para uma. Histórias orais são construídas com frases acumuladas ao longo de uma vida de ouvir e contar histórias. O outro tipo de vocabulário de histórias é o tema. Um tema é um conjunto seqüencial de ações narrativas que estruturam o conto. Da mesma forma que o narrador prossegue linha por linha usando fórmulas, ele prossegue evento por evento usando temas. Uma regra quase universal é a repetição, evidenciada no folclore ocidental com a regra de três: três irmãos partem, três tentativas são feitas, três charadas são formuladas.
Um tema pode ser tão simples e específico quanto uma seqüência descrevendo um herói que se veste para o combate, começando pela camisa e calças e concluindo com o capacete e as armas. Um tema pode ser grande o suficiente para tornar-se um componente da trama. Por exemplo: um herói propõe uma jornada para um lugar perigoso / ele se disfarça / o disfarce engana a todos / exceto uma pessoa comum sem muita importância (uma velha, uma estalajadeira ou um lenhador) / que imediatamente o reconhece / o(a) paisano(a) se torna aliado do herói, demonstrando inesperados recursos de habilidade ou iniciativa. Um tema não pertence a uma história específica, mas pode ser encontrada com pequenas variações em muitas histórias diferentes. Temas podem não ser mais do que partes pré-fabricadas úteis para construir um conto. Ou podem representar verdades universais – verdades mágico/religiosas como James Frazer viu em The Golden Bough ou verdades mítico/psicológicas como Joseph Campbell descreve em The Hero With a Thousand Faces.
A natureza intrínseca das histórias foi descrita em A Palpable God (1978) por Reynolds Price, quando ele escreve:
"Uma necessidade de contar e ouvir histórias é essencial à espécie Homo sapiens – aparentemente, é a segunda necessidade após nutrição e antes de amor e abrigo. Milhões sobrevivem sem amor ou teto, quase ninguém pelo silêncio; o oposto do silêncio leva rapidamente à narrativa, e o som da história é o som dominante em nossas vidas, dos pequenos relatos dos nossos eventos cotidianos aos vastos constructos incomunicáveis dos psicopatas."

Tipos de literatura oral
Existem muitos tipos de histórias, tais como fábulas, parábolas, mitos e lendas. As histórias expressam variados estados de espírito, podendo ser humorísticas, inspiracionais, educativas, assustadoras, trágicas e românticas. Podem também ser baseadas na vida de personagens reais ou fictícios, como Salomão e Nasrudin.
Às vezes, os folcloristas dividem a literatura oral em dois grandes grupos: "Märchen" e "Sagen". Estes são termos do alemão que não possuem equivalente preciso em português, sendo o primeiro tanto singular quanto plural. (1) "Märchen", livremente traduzido como "contos de fadas" (embora fadas sejam raros neles) transcorrem num tipo de mundo de "faz-de-conta" localizado em nenhures. Claramente, não pretendem ser tomados como expressão da verdade. As histórias são cheias de incidentes nitidamente definidos e povoadas por personagens bidimensionais com pouca ou nenhuma vida interior. Quando o sobrenatural ocorre, é apresentado prosaicamente, sem qualquer surpresa. Realmente, o impacto é geralmente reduzido; eventos arrepiantes podem ocorrer, mas com pequeno apelo emocional para o ouvinte. (2) "Sagen", que poderia ser traduzido como "lendas", são histórias que supostamente ocorreram num tempo e lugar determinados e extraem muito de sua força deste facto. Quando o sobrenatural intervém (como ocorre freqüentemente), o faz de um modo emocionalmente perturbado. Histórias de fantasmas e de amantes pertencem a esta categoria, bem como muitas lendas sobre fadas e OVNIs.

Contadores de histórias profissionais
Embora praticamente todos os seres humanos contem histórias, muitos indivíduos elevaram esta habilidade ao nível de arte. Na década de 1970, uma assim chamada "Renascença" da literatura oral teve início nos Estados Unidos e como conseqüência, muitos narradores tornaram-se profissionais da literatura oral. Outro resultado foi a criação da National Association for the Perpetuation and Preservation of Storytelling (NAPPS), agora National Storytelling Network ("Rede Nacional de Literatura Oral"). Esta organização profissional auxilia a organizar recursos para narradores e organizadores de festivais. Na actualidade, existem dúzias de festivais de contadores de histórias e centenas de profissionais do ramo em todo o mundo. Eles viajam com freqüência de festival em festival, onde fazem suas apresentações. Nos intervalos dos festivais, realizam palestras e oficinas literárias onde ensinam seu ofício para eventuais interessados.
No mundo contemporâneo, a figura do contador de histórias está intimamente ligado ao insentivo a leitura, entretenimento cultural e difusor do folclore regional. E a maneira com que é transmitida a história contada, também encontra novas técnicas e formas, mescladas a antigas, tais como o teatro de fantoches e de formas animadas, o teatro de bonecos e a pantomima.

Técnicas de narrativa
Robert Begiebing et al (2004) relaciona experiências pessoais e profissionais que fazem sucesso em filmes, romances, biografias, artigos, poemas e exposições em museus na actualidade. Mesmo sob essas formas, narradores tentam criar um senso de envolvimento ou diálogo com a platéia. Enquanto professor de inglês, Begiebing teoriza que o escritor eficiente fornece apenas as pistas necessárias para manter a imaginação, o intelecto e as respostas emocionais do leitor envolvidas em descobrir o que está ocorrendo na história. As histórias que atravessam as eras "deixam muito espaço para o leitor".
A especialista em história dos museus Barbara Franco descreve o quanto boas técnicas de narrativa podem ajudar numa exposição. Ela ilustra o ponto ao dizer que "bons rótulos suscitam perguntas e mantém as pessoas pensando". O ponto-de-vista de quem narra a história faz uma grande diferença. O uso da primeira pessoa encoraja o leitor, audiência ou visitante do museu a ouvir e se relacionar com uma pessoa, o orador, e não com a recitação de factos.
Um exemplo de história em primeira pessoa é O Grande Gatsby de F. Scott Fitzgerald. Há também uma perspectiva de "terceira pessoa" na qual o personagem principal é visto do exterior e do interior ao mesmo tempo, elevando o envolvimento do leitor com a história. A mistura de pontos-de-vista e vozes ajuda a contar histórias extremamente complexas. Segundo Franco, "pesquisas de audiência têm mostrado que os visitantes se mostram mais propensos a lidar com tópicos difíceis em mostras se lhes são dados múltiplos pontos-de-vista e são capazes de ouvir lados diferentes".
Segundo o realizador e historiador Joshua Brown, "expressar o não familiar é um modo de promover o envolvimento crítico". Um bom narrador dá ao leitor o senso de criar ordem a partir do caos. Portanto, o bom contador de histórias dá ao leitor uma boa dose de percepção do caos antes que as coisas voltem ao estado normal.
Todavia, as histórias que atraem geração após geração são as histórias que nunca são resolvidas — da mesma forma que a vida nunca é resolvida; a complexidade da vida permanece. Como constata o realizador David Grubin, "a vida não é linear. Se a vida fosse linear, viveríamos sempre no momento presente, mas não é o que ocorre. A qualquer momento, vivemos no passado, parcialmente no presente e muito no futuro. A vida não é linear. E os melhores filmes expressam essa não-linearidade da vida em flashbacks e premonições". Grubin conta sua própria experiência de tentar capturar em filme o que era ser Sigmund Freud. E a solução de Grubin foi contar a infância de Freud próximo ao fim do filme, quando este relembra as dificuldades que teve ao criar a psicanálise. E nesse momento difícil da vida, Freud reflete sobre as dificuldades similares que vivenciou na infância, para fazer com que as pessoas o aceitassem.
Na avaliação de Grubin, Akira Kurosawa também se utilizou de técnicas de narrativa não-lineares ao abordar o problema de contar uma história complexa de interesses conflitantes em Rashomon. Quatro pessoas estão envolvidas num assassinato. Elas têm interesses diferentes e diferentes histórias sobre o que aconteceu. São quatro histórias diferentes em um único filme, com pessoas e propriedades semelhantes em cada uma das histórias. Kurosawa não dá qualquer pista sobre o que realmente aconteceu em contraposição às quatro histórias conflitantes. E, a não-linearidade da narrativa contribui para o apelo popular do filme.

Doutores da Alegria

Doutores da Alegria é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que tem como missão promover a experiência da alegria como fator potencializador de relações saudáveis por meio da atuação profissional de palhaços junto a crianças hospitalizadas, seus pais e profissionais de saúde. Além disso, a organização visa compartilhar a qualidade desse encontro com a sociedade com produção de conhecimento, formação e criações artísticas.
Mantida pelo apoio de empresas e pessoas físicas na forma de patrocínio, parceria e associação, a organização foi pioneira na introdução do teatro em um quarto de hospital. O trabalho dos Doutores da Alegria foi incluído duas vezes pela Divisão Habitat da ONU entre as melhores práticas globais.
Desde 1991, quando Doutores da Alegria foi fundada em São Paulo por Wellington Nogueira, ator, palhaço e hoje Coordenador Geral da organização, seus palhaços já visitaram mais de 550 mil crianças e adolescentes hospitalizados, atingindo também cerca de 600 mil familiares, e envolvendo mais de 13 mil profissionais de saúde.
Hoje, a organização está presente em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Belo Horizonte e conta com uma equipe de mais de 20 funcionários e colaboradores nas áreas de pesquisa, formação, gestão, administração e mobilização, e cerca de 60 artistas que atuam em 18 hospitais. Desses artistas, 11 participam também da gestão da ONG.
Além do pioneirismo no Brasil com o trabalho nos hospitais, a organização também é precursora no que se refere à sistematização e difusão do conhecimento obtido neste trabalho, ao estudo das relações entre arte e ciência e do universo do palhaço como um todo.
Assim, os Doutores da Alegria têm hoje cursos e publicações que atingem um público amplo que vai de jovens aprendizes a estudantes universitários e empresários, além de espetáculos adultos e infantis e palestras para empresas e escolas onde se evidencia o poder da criatividade e da alegria como força transformadora de obstáculos em recursos.
As publicações lançadas pelos Doutores da Alegria incluem a coleção Boca Larga, série de cadernos periódicos com artigos e entrevistas que abordam a formação e a procedência histórica do palhaço brasileiro, e a ética e a qualidade no trabalho de palhaços em hospitais.
Desde 2004, os Doutores da Alegria realizam em São Paulo um programa de formação e inclusão social que visa capacitar jovens entre 17 e 22 anos em artes cênicas e na linguagem do palhaço. O programa oferece aulas diárias e tem duração de dois anos. Ao final do programa, os jovens participam da criação, concepção e montagem de um espetáculo que circula pelas regiões em que vivem os jovens inscritos, além de outros teatros e centros culturais da cidade.
Em 2007, a organização lançou o programa Palhaços em Rede, respondendo a uma demanda antiga de grupos de todo o Brasil que, inspirados pelos Doutores da Alegria, decidiram atuar com o figurino do palhaço em hospitais de todo o país, na maioria das vezes de forma amadora e voluntária. O programa oferece orientação a pessoas ou grupos selecionados por meio de edital público, ao mesmo tempo em que reforça a identidade de cada um dos participantes.
O endereço da organização na Internet — www.doutoresdaalegria.org.br — é um dos mais freqüentados do Terceiro Setor

Palhaço - ilustração de Elifas Andreato



Nos dias de hoje, um palhaço é um ator ou comediante cuja intenção é divertir o público através de comportamento e maneirismos ridículos. O local de trabalho mais comum dos palhaços é o circo, mas também pode trabalhar em palcos, teatros, rodeios, ou como apresentadores de rua ou da televisão.
Embora nem todos os palhaços possam ser facilmente identificáveis através da aparência, palhaços frequentemente aparecem pesadamente maquiados e fantasiados. Tipicamente, usam sapatos grandes, roupas largas ou em tons berrantes, com cores brilhantes e em padrões não usuais, ou cheias de remendos. Também costumam usar chapéus alegóricos, perucas ou penteados com estilos ou cores incomuns, além de um falso nariz redondo, geralmente de cor vermelha, esta última sendo uma característica intimamente associada ao conceito.


Algumas palhaçadas comuns
Uma flor que solta água
Vários palhaços saindo de um carro pequeno
Golpear outros palhaços com um frango de borracha
Dar tapas na cara de outros palhaços
Cambalhotas
Jogar água no público
Jogar uma torta na cara de outros palhaços
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